quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Advento: O mistério da encarnação.

Lia-se à entrada de um antigo vilarejo a seguinte frase: "Se fores pobre, sê bem vindo, se não, passai adiante". Não se sabe quem foi o autor da ordem, nem o motivo de toda a vila apoiá-la a ponto de afixá-la em seus muros, mas com certeza o povoado deve ter passado por alguma forte experiência, negativa provavelmente, que culminou em tal sentença. Algum viajante aproveitador, ou algum burguês desonesto que por ali fixou moradia? Essa história nos conta apenas o desfecho, que nos permite imaginar as mais variadas causas. Mas o que para nós importa é justamente a conclusão, que também deveria ser afixada em nossas casas, ou melhor, nas nossas vidas e nós deveríamos ser os primeiros a ler, todas as manhãs, ao começarmos nosso dia, tal conselho que nos foi deixado por esses habitantes desconhecidos. Ver e avaliar nossas atitudes e o nosso próprio coração é muitas vezes tarefa árdua e difícil de realizar. Para nós é fácil julgar os atos alheios e até formular conselhos, mas quando se passa para o âmbito pessoal ocorre o bloqueio. A Igreja, por sua vez, ajuda-nos a realizar essa auto-avaliação, propiciando-nos momentos litúrgicos próprios, plenos de conteúdo reflexivo, que auxiliam na caminhada dos cristãos. E é no tempo litúrgico do Advento que somos chamados a penetrar no mistério da encarnação do Deus que se fez menino, dependente, profundamente pobre. Não só por ter nascido numa manjedoura, nem por ter sido deitado em palhas ou por respirar o hálito dos animais, mas sobretudo pelo fato de compartilhar conosco a condição humana. Essa foi a grande prova de amor e humildade que Nosso Senhor poderia ter nos dado, culminando em sua paixão. Como diz o apóstolo Paulo, Jesus não se prevaleceu de sua divindade, mas se fez homem, aniquilando-se a si mesmo (cf. Fl 2,6-7) e como homem se entregou aos homens, reinserindo-os na intimidade trinitária. Pode parecer contradição que o Senhor dos senhores, o Rei do universo possa ter vindo ao seu próprio Reino servir aos seus próprios servos, mas isso serve de exemplo para nós, que na maioria das vezes estamos mais acostumados a ser servidos. "Bem-aventurados os pobres!". É a primeira das bem-aventuranças. A virtude da pobreza é solidária à virtude da esperança. O rico que conta com sua fortuna não espera em Deus: está seguro porque possui. A esperança só é virtude quando, não se apoiando sobre certeza alguma presente, nem sobre mérito algum daquele que espera, apoia-se somente sobre a misericórdia de Deus e sobre as promessas de Cristo. O cristão que se sente filho de Deus, espera tanto de Deus como a criança tudo de sua mãe. A esperança do leigo tem, sem dúvida, algo de contraditório - mas somente na aparência. Deve, com efeito, lutar para obter as coisas temporais e contar que Deus lhas concederá. Engana-se profundamente quem se julga dono de alguma coisa; assim como Deus deu, do mesmo modo pode tirar; e, assim como concedeu, tem o poder de conceder mais, dependendo da sua vontade e do desempenho do administrador. O pobre, porque confia em Deus, conhece toda a sua fraqueza; contando apenas com a graça, não se alimenta de ilusões quanto a seus próprios bens. "Deus o deu, Deus o tomou; que o nome de Deus seja bendito!". A condição do cristão traduz constantemente e com toda a intensidade a ambigüidade da sua situação no mundo: deve passar pelo mundo atraente, dele se servindo, sem jamais servi-lo. "A vocação humana é mundana porque estamos no mundo e é supramundana, porque não pertencemos ao mundo, mas a Deus". Não há, pois, senão um meio para possuirmos a Cristo, é o de nos desapossarmos de tudo o mais e permanecermos constantemente unidos a Cristo pobre. Conta-se que Heráclito, havendo reconquistado pela força das armas a cruz de Cristo, roubada pelo rei dos persas, quis levá-la em triunfo ao Gólgota, refazendo os passos de Jesus; caminhava coberto de ouro e jóias, com a cruz sobre os ombros, quando foi detido à porta da cidade por uma força invencível. "Com essa indumentária de triunfo, disse-lhe Zacarias, Bispo de Jerusalém, não imitas a pobreza e a humildade de Jesus Cristo". Então o imperador se despojou de sua glória real, se descalçou e, vestido de uma túnica vulgar, pôde carregar a cruz até seu termo. Não nos esqueçamos, meus irmãos, dos conselhos de Cristo. Jamais Jesus condenou as posses da família de Lázaro, pelo contrário, o amava tanto quanto às suas duas irmãs: Marta e Maria; porém, de outra feita, quando certo jovem ao considerar-se a salvo, disse que praticava todos os mandamentos, Cristo - não isento de amor - mandou-o vender tudo o que possuía e segui-lo. A família de Betânia não precisara disso. Era pobre. Embora possuísse, era como se nada tivesse. Preparemos também nós nossa casa, nossa família para nesse Natal recebermos o menino Jesus que quer nascer nos corações pobres, desapegados. Façamos como Marta, ofertando tudo o que temos, e, como Maria, permaneçamos aos pés de Jesus para que, como Lázaro, sejamos ressuscitados por Ele. Só assim poderemos, verdadeiramente, ao lado de Cristo Senhor, ser pobres, mas, ao mesmo tempo, ricos de tudo.




Fonte: Escola de formação Shalom

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